Velho burocrata, meu amigo aqui presente,
nunca houve quem te ajudasse a evadir-te, e a culpa não é tua. Edificaste a tua
paz, à força de tapares com cimento, como as térmitas, todas as saídas para a
luz. Rebolaste-te na tua segurança burguesa, nas tuas rotinas, nos ritos
asfixiantes da tua vida provinciana; ergueste essa humilde muralha contra os
ventos, contra as marés, contra as estrelas. Não queres a inquietação dos
grandes problemas e muito te esforçaste por esquecer a tua condição de homem.
Não és o habitante de um planeta errante, não te pões questões sem resposta tu
és um pequeno burguês de Toulouse. Ninguém te sacudiu pelos ombros quando era
tempo ainda. Agora, a argila de que és formado secou, e endureceu, e ninguém
seria capaz, de futuro, de acordar em ti o músico adormecido, ou o poeta, ou o
astrónomo, que talvez te habitasse de início.Sendo superior, nunca repreendas ninguém
com ira, mas só depois de ela passar. Assim, a repreensão será mais proveitosa.
A realização mútua dos nossos sonhos não é nenhum elemento básico do casamento,
mas sim a valentia de aceitar sempre, de novo, uma pessoa que com o correr do
tempo vai actuando de maneira diferente dos meus ideais. O que devemos quebrar,
especialmente quando surge uma crise, não é o casamento, mas os nossos sonhos e
ilusões irreais. O amor conjugal é, sem dúvida, um amor exclusivio, mas que
abraça ao mesmo tempo toda a humanidade. É exclusiva na medida em que cada
um se pode unir com toda a intensidade somente a uma pessoa. Mas quando amo
verdadeiramente uma só pessoa, o coração torna-se grande e proporciona a
faculdade de me dedicar a muitas mais. Uma pessoa necessita de toda uma vida
para amadurecer. Requer a ajuda dos outros e, se está casada, especialmente a
do seu cônjuge.
O homem necessita do apoio da sua mulher, e a mulher do seu
marido, para desenvolver todas as suas capacidades.A fidelidade, naturalmente, tem que ver
com a sexualidade, mas não se limita a ela.
Implica a aceitação de ambos em todas as dimensões da sua personalidade.
Normalmente, a fidelidade está presente na vida matrimonial quotidiana de uma
maneira calada e pouco visível, consistindo numa constância tanto nos bons
tempos como nos difíceis. É preciso a ajuda do outro, sobretudo face à monotonia
diária que pode consistir nas obrigações familiares e profissionais. Mas também
se requer quando se fracassa, se duvida de si mesmo ou por acaso se falhou. “Sê
solidário com os teus amigos, sobretudo quando são culpados”, diz um provérbio
francês. Quando alguém está prestes a cair no mais fundo da miséria, não é
precisamente o parceiro aquele que, em primeiro lugar, deve lutar para ir com
ele?
Não preciso de amigos que mudem quando eu
mudo e concordem quando eu concordo. A minha sombra faz isso muito melhor. Quando
vires um gigante, repara bem na posição do sol, não vá acontecer que se trate
da sombra de um pigmeu.
Quando vires um homem bom, tenta imitá-lo; quando vires
um homem mau, examina-te a ti mesmo. É urgente repetir isto até que seja
entendido: a fraternidade, o amor, a entrega, não são bens de acréscimo para o
homem ser santo ou perfeito. São a essência do homem. O homem como
indivíduo solitário não é homem. O homem só é homem quando vive em comunidade e
para a comunidade. Quando serve a alguém. Quando ama alguém. Só então é que
nasce como ser humano.
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